Petrichor, O cheiro da chuva, com curadoria de Fernando Brízio, é a exposição principal da proposta programática deste ano. Esta exposição sublinha a ubiquidade da água e a sua presença e circulação enquanto elemento fulcral de ligação entre todas as coisas. Através de interfaces de fluido (válvulas artificiais para o coração, capacetes de mergulho, barcos, rastreadores de tráfego de navios, veículos subaquáticos para mapear aquíferos subterrâneos, entre muitos outros) e também lugares de comunicação, troca, interação/intra-ação entre águas (nos seus diversos estados), e entre águas e outros agentes reflete-se sobre os interface de fluido aquoso e a forma como estes são cruciais a todas as relações de matéria do mundo.
Depois de um período seco e quente, as primeiras gotas de água, ao caírem sobre a terra, libertam um cheiro a chuva. Este fenómeno foi cunhado em 1964 pelos cientistas australianos Isabel Joy Bear e Richard G. Thomas com o nome petrichor (do grego pétros, pedra + īchor, fluido etéreo ou sangue dos deuses, como entendido na mitologia grega). O aroma sentido, e frequentemente associado ao cheiro da terra, é gerado por óleos libertados por algumas plantas durante períodos áridos e de grande calor, acumulando-se sobre a terra e argilas secas. Quando as primeiras gotículas de água caem, os óleos depositados sobre a terra ficam suspensos no ar em microgotículas que, ao serem inaladas, nos dão o cheiro da chuva. Este cheiro parece instigar e preencher o nosso sensório, i.e. a fração do cérebro que se julga ser o âmago comum de todas as sensações. É como um apelo da terra, por vezes anima em nós um movimento de introspeção em direção a memórias muito antigas. Um aroma que reativa e cria memórias, e que nos chega pela água: a água da chuva que cai, bate na terra; a água que hidrata as plantas, que transforma seiva e matéria orgânica; as gotículas suspensas no ar repletas de bocadinhos de plantas.
A descrição deste encadeamento de acontecimentos é uma simplificação do que efetivamente acontece, mas serve para introduzir a ideia de interface de fluido aquoso. Queremos mostrar lugares de comunicação, troca, interação/intra-ação entre águas (nos seus diversos estados) e entre águas e outros agentes, e abordar a centralidade da água no mundo. Queremos sublinhar a ubiquidade da água, a sua presença e circulação em tudo, em todos os lados, como um elemento fulcral de ligação entre todas as coisas. A água molda tudo, é vital e sem ela a vida não existia. Pode assumir muitas formas, manifestando-as em simultâneo. Circula dentro de corpos e entre corpos animados e inanimados. Estamos, humanos e mais que humanos, ligados através de um fluxo hídrico comum, repartimos a mesma água que entra nos corpos e deles exsuda e que, através da biologia, se transforma noutras matérias. Água em circulação pela Terra, entre carne, matéria vegetal e mineral, corpos aquosos que partilham a mesma água desde o momento em que a vida surgiu há milhões de
anos, mais precisamente da água.
Petrichor — as nuvens, a terra e o olfato, os poros da pele, as raízes da cidreira, as folhas de uma azinheira, o micélio no subsolo das florestas, as flores, as aquaporinas das membranas celulares. Interfaces naturais de fluido a que podemos associar muitos outros concebidos por humanos. Interfaces de fluido como válvulas artificiais para o coração, capacetes de mergulho, jangadas vegetais rastreadores de tráfego de navios, veículos subaquáticos para mapear aquíferos subterrâneos, estufas, flores artificiais para alimentar abelhas e outros insetos polinizadores, sistemas para reaproveitamento de água, calculadoras para clonar águas mineiras, sintetizadores, cuidadores de pradarias marítimas,o uso de biopigmentos.
Os conteúdos de Petrichor foram reunidos ao longo de seis linhas pensadas a partir do texto curatorial desta edição da Porto Design Biennale, Ser Água: Como fluímos e nos moldamos coletivamente.
Fernando Brízio nasceu em Angola e estudou Design em Lisboa, cidade onde vive e trabalha. Tem desenvolvido produtos para a indústria, séries limitadas, exposições, cenários e espaços para empresas e organizações, como Droog Design, Amorim Cork, Experimenta Design, Nike, Adidas, Authentics, Fábrica Bordallo Pinheiro, Il Coccio, Arena Ensemble, O Som e a Fúria, Museu de Serralves, Cristina Guerra Contemporary Art, Galerie Kreo, entre outros. O seu trabalho foi exibido e publicado internacionalmente e é por vezes desenvolvido de modo independente, diluindo fronteiras disciplinares.
anos, mais precisamente da água.

Brízio ensina na ESAD.CR desde 1999, onde concebeu e coordenou vários cursos nos territórios do design de produto e de espaços. Foi professor na Faculdade de Belas Artes Lisboa — UL e professor visitante em várias escolas como a ECAL — École Cantonale d’Art em Lausanne, HFG — Karlsruhe University of Art Design e FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Tem participado em júris e palestras em Portugal e no estrangeiro. Foi curador de vários projetos e exposições, entre as quais SCool Ibérica e Paradisaea Lux Frágil 20 anos. Os seus trabalhos integram a coleção permanente do MUDE — Museu do Design e da Moda de Lisboa, e do IMA — Museu de Arte de Indianápolis, entre outras coleções. Atualmente, para além de continuar a fazer projetos, é investigador no Lida — Laboratory in Design and Arts do Politécnico de Leiria e no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra.